quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

O Silêncio que Nos Ensinou a Escutar

Na pequena livraria onde Clara trabalhava, todos a consideravam uma pessoa prática: resolvia conflitos entre clientes, organizava eventos caóticos e até consertava a velha cafeteira que teimava em quebrar. Mas havia um desafio que a deixava perplexa: Mateus, o novo funcionário.


Mateus chegou sem sorrisos, respondendo apenas com acenos secos e evitando contato visual. Enquanto os colegas riam durante os intervalos, ele se isolava entre as prateleiras, organizando livros com uma precisão quase obsessiva. Clara sentia-se irritada por sua frieza. "Ele age como se fosse melhor que todos", pensava.


Tudo mudou numa tarde de chuva. Um cliente exigiu um livro raro que Mateus havia prometido entregar naquela semana. Ao descobrir que o pedido estava atrasado, Clara explodiu: "Você poderia pelo menos avisar quando algo dá errado!". Mateus ficou imóvel, os dedos tremendo levemente. Em vez de responder, entregou-lhe um bilhete rabiscado:


"Desculpe. Não ouço. Tento ler lábios, mas às vezes falho."


O mundo de Clara desmoronou. Percebeu que todas as suas reclamações, feitas de costas para ele, nunca foram ouvidas. Que suas críticas rápidas, sem olhá-lo nos olhos, eram apenas ruído para alguém que vivia em silêncio.


Na manhã seguinte, Clara apareceu com um caderno decorado de flores. Escreveu nele: "Quero aprender a nos comunicar melhor. Você me ensina?" Mateus sorriu pela primeira vez.


Aos poucos, a livraria transformou-se. Clara aprendeu libras básicas, e os colegas, curiosos, juntaram-se às lições. Mateus, antes uma sombra, passou a compartilhar histórias através de gestos e expressões vivas. Descobriram que ele tinha uma memória prodigiosa para títulos de livros e um humor sutil que arrancava risos em mímicas.


Anos depois, quando Mateus deixou a cidade para cuidar da mãe doente, Clara herdou seu caderno de flores. Na última página, ele escrevera:


"Obrigado por não tentar me consertar. Obrigado por se ajustar ao meu mundo."


O conto de Clara e Mateus tornou-se lenda na livraria. Não porque fosse grandioso, mas porque lembrou a todos que, às vezes, "lidar" com pessoas não significa mudá-las — e sim ter a humildade de mudar a si mesmo para alcançá-las.


E assim, numa esquina qualquer do mundo, um silêncio ensinou a muitos que ouvir vai além do som.

Por Mestre dos Contos (Prof. E. S. Amaral).

Nenhum comentário:

Postar um comentário